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Frutos do cacto macarrão ou ripsalis

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Sim, aquela planta pendente, fácil de ser encontrada por toda parte, é um cacto epífito, que vive na copa das árvores assim como certas orquídeas e bromélias. Não é uma planta parasita, como muitos pensam. Além do seu lindo aspecto ornamental, pouca gente conhece o uso dos seus frutos. Ou seja, é uma PANC abundante e de fácil cultivo, negligenciada.

O sabor não é nada grandioso - é do grupo dos cactos de frutos delicados, como a pitaya. Os frutos são pequenas bagas esféricas, repletas de pequenas sementes negras e polpa líquida, doce e sem nenhum sabor muito pronunciado. É difícil de saborear até mesmo pelo tamanho diminuto - você precisará de alguns frutos para poder sentir o sabor de fato, caso contrário, será apenas doce. É uma boa distração em trilhas, para ocupar a língua, igual café maduro ou maria-pretinha..

Como pequenas pérolas, esses frutos pequeninos são produzidos o ano todo, sucedendo pequenas flores brancas em forma de estrela. Outras variedades de Rhipsalis (essa é uma das mais comuns, a Rhipsalis baccifera), como os de frutos arroxeados e rosados, alguns com ou sem pelos, provavelmente são comestíveis. 







A colheita deve ser feita por mãos leves porque o fruto é delicado e se rompe com a menor pressão. Apesar de pequenos, quando estive no litoral para uma oficina, consegui encher um copo de 120ml de frutos em apenas 15 minutos, dada a abundância - o que pode tornar uma fruta viável para colheita dependendo de onde você mora.

Por serem plantas epífitas, em geral tem preferência para locais quentes, úmidos e à meia sombra, embora fiquem bonitos em vasos e até à pleno sol. Para multiplicar, basta pegar uma estaca ou pedaço de caule e enterrar. O crescimento é lento, mas contínuo.


São uma decoração interessante para a confeitaria, e em grande quantidade podem ser usados em polpas, sorvetes, e sucos. Quando cozidos dentro da massa de bolo, ficam rosados e formam pequenas esferas de geleia.


Cacto pé de mamão, saborosa, brasiliopuntia

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Brasiliopuntia brasiliensis

As pessoas ainda não associam muito bem cactos com alimentação. Para muitos, é uma surpresa descobrir que eles servem para mais coisas além da ornamentação. Em regiões onde não há abundância de água, como no nordeste, a palma, usualmente cultivada demarcando cercas e limites, é transformada em alimento para os animais sedentos. A população come, mas em último caso, porque cacto é comida da miséria, da fome, do desespero. Mas não deveria ser.

No México, um país tão rico em cactáceaes como nós, os cladódios de alguns cactos palmados, que parecem verdadeiras raquetes de tênis, são tradicionalmente usados na culinária. Isso é uma excelente ideia por vários motivos. A primeira, o cacto de desenvolve com pouca água, então é um cultivo mais sustentável que outras culturas. Também são muito nutritivos, com alto teor de vitamina A, cálcio, proteína, e fibra alimentar. Ainda, são fáceis de cultivar, de propagar e de serem mantidos no pós-colheita.


Os cactos comestíveis estão cada vez mais famosos. Aliás, a pitaya continua sendo uma fruta cara, mesmo após tantos anos de sua inserção no mercado nacional - e muitas vezes sob um nome em inglês, para uma fruta tão brasileira. Temos esporadicamente o figo-da-índia nos mercados, também. Cada um com sua textura, sabor e coloração. A pitaya tem polpa branca ou magenta, macia e quase sem fibras, de sabor delicado, enquanto a polpa do figo da índia é alaranjada, fibrosa e com aroma que lembra um tanto abóbora. Esses tempos, falei da ripsalis ou cacto macarrão, de frutos também comestíveis, embora minúsculos feito pérolas. A ora-pro-nobis entre, por fim, para a lista dos cactos famosos na cozinha, seja pelas suas folhas ou pelos frutos alaranjados e ácidos. 


Sobre o consumo das folhas (raquetes) fica para outra postagem. Sobre os frutos, falaremos nessa. Aliás, nessa postagem os tema será os frutos de uma espécie de cacto muito comum aqui na minha região, a Brasiliopuntia brasiliensis (o cacto ufanista?). Essa planta é bem distinta porque cresce de forma semelhante a uma pequena árvore, com um tronco principal arredondado e folhas achatadas com poucos espinhos, chegando a mais de 5 metros de altura. Tem como característica tolerar umidade e sombreamento, sendo comuns no paisagismo urbano crescendo mesmo nas sombra de outras árvores. Parece contraditório para um cacto, não?



O fruto é arredondado e repleto de espinhos quando maduro, podendo ser amarelo, laranja, vermelho ou rosado. Os espinhos são finos, castanhos e se soltam com facilidade, infestando as mãos e as roupas e causando grande incômodo. Deve ser uma das razões para que não sejam frutos tão comuns no mercado. Para removê-los, uma escova de cerdas duras ajuda, ou passando-os no fogo e promovendo uma depilação dos espinhos. Pessoalmente acho a depilação no fogo muito prática e eficaz.




A polpa é branca, suculenta, viscosa, doce, saborosa e ácida, entre a pitaya e o kiwi. Há apenas um grande caroço no meio. Pena que é pouca e os frutos, pequenos. As cascas dos frutos, assim como da pitaya, devem prestar-se para geléias e doces, desde que devidamente removidos os espinhos (passe no fogo e depois uma bucha sob água corrente). Os frutos relativamente imaturos tem algum oxalato, porque senti minha garganta pegando. Tenha certeza de ter colhido apenas os mais maduros e doces.


Apesar do trabalho, é uma fruta gostosa, de planta ornamental e abundante. Vou adotar como árvore natalina, certamente. Tem coisa mais linda?


Nuoc rau ma. Gotu kola. Suco verde de centella asiatica.

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Suco verde de centella asiática, nuoc ran ma

Hmmm, a moda do suco verde me pegou. Eu tentei fugir, disse, "não, essa sopa crua de legumes com couve não tem gosto bom", fugi chorando para as montanhas, mas nem assim escapei. Ou pelo menos, não totalmente.

O avô do suco verde, que ao contrário de alguns modismos alimentares, é praticamente um prato tradicional, vem do Vietnã, mas é consumido também na Malásia, China e Índia. A Centella asiaticaé o principal ingrediente, e, ao contrário da couve e do salsão, é palatável e não precisa ser mascarada com maçã, gengibre ou outro tempero para ficar bebível.

De fato, não sou nada fã de qualquer suco verde que vá couve, porque fica com cheiro sulfúrico flatulento que não me parece nada apetitoso. Mesmo com maçã, hortelã ou gengibre, não dá pra mascarar. A couve está ali, se fazendo presente para quem quiser sentir. A minha, deixo para a feijoada.

Suco verde com centella é bom! Delicioso. Leve, ácido, saboroso, refrescante, para esses dias de verão. (Pra quem não é fã de suco de coisas que não sejam fruta: se eu disser que não precisa ter gosto de salsão, couve, pepino ou qualquer outro legume liquefeito, mascarado com maçã e gengibre, você acredita?)

Bom, voltando para o Vietnã. É comum ser servido em restaurantes uma bebida chamada nuoc rau ma, que literalmente pode ser traduzida como "suco de centella". Existem variações com limão e frutas, mas a tradicional vai apenas água. Eu prefiro com limão porque tudo fica melhor mais azedinho.

Na medicina ayurvedica (Índia, sempre a Índia!), onde ela é chamada de gotu kola, usa-se para melhorar a imunidade, para melhorar a memória, como antioxidante, anti-inflamatório, diurético e tônico para o corpo. É indicada também, na medicina chinesa, para "reduzir o calor", ajudando a restabelecer a temperatura corporal. É citada em estudos como coadjuvante em tratamento de ansiedade, como um poderoso ansiolítico natural. Seus principais componentes, além de óleos essenciais como cariofileno, farnesol e elemeno, são ácido asiático, ácido cêntico, ácido cenelico, madecassido e asiaticosideo. Para mais informações, um bom artigo (em inglês) me pareceu esse aqui.

Para o suco, basta bater algumas folhas, suco de limão (ou não) com água ou açúcar, coar e tomar imediatamente. Existem vários vídeos no youtube usando muitas ou poucas folhas, então veja o que agrada seu paladar. Eu usei três folhas grandes para 300ml e suco de um limão. Na versão que fiz para a foto, coloquei ainda uma folha de azedinha e uma folha de hortelã. 




O consumo, moderado, não parece ter contra indicações e é muito bem embasado na literatura. Segundo alguns artigos, existem mais de 15 variedades da planta só na Malásia, então as nossas são um pouco diferentes das que vi nos vídeos vietnamitas, mais largas, grossas e altas. As deles parecem mais delicadas. Se assistir algum vídeo, não se assuste achando que é a planta errada (claro, se não for de fato a errada).



O sabor é muito agradável. Eu adicionei um pouco de cardamomo e hortelã, inspirado em uma bebida servida em um restaurante indiano que amo, e ficou muito bom também. A cor fica linda. Vai ser o drink do verão aqui em casa. E o melhor, a centella é muito fácil de ser encontrada na rua. Eu a vejo por toda parte aqui em São Paulo. Sugiro tirar mudas e plantar em vasos em casa, porque ela cresce fácil e é bem rústica. Já falei sobre como coletar, diferenciar de espécies venenosas e cultivar aqui. 

Contaminação: pode colher da calçada?

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Muitas dúvidas tem surgido à respeito de onde colher de contaminação das plantas colhidas em ambiente urbano. Vou brevemente tentar explicar um pouco sobre isso. Primeiro, quais os principais tipos de poluentes e como evitar cada um deles.

Adoro fazer cocô nas PANC na calçada.

Contaminação biológica: microrganismos, em geral patogênicos, decorrentes de contato da planta com fezes, esgoto, urina. Essa, por sorte, é a mais simples de resolver. Todo alimento, inclusive do mercado e feira, deveriam passar por um processo de lavagem + sanitização. Afinal, você não sabe por onde essa planta passou, se o agricultor tinha cachorro, gato ou rato solto na plantação... Além do mais, entrepostos como o CEASA/CEAGESP de SP são repletos de ratos, baratas e morcegos. Ou você acha que só porque aquele alface chegou lindinho nas suas mãos que ele não pode estar cheio de doenças?
Resolvendo: Eu pessoalmente não gosto desse higienismo e do desespero por limpeza, mas se costuma colher coisas do quintal e você tem cachorro, gato ou outro bicho, por favor, deixe de molho em uma solução de cloro (existem produtos próprios para isso) ou cozinhe bem o alimento. Você vai evitar um monte de doenças.

Contaminação do ar: o ar contaminado é o mesmo que respiramos. O problema é que as plantas acumulam esse contaminantes, tendo concentrações muito mais altas que as do ar. Por exemplo, os metais pesados vem junto com a fuligem, derivadas do tráfego veicular (combustível+desgaste mecânico+ressuspensão de solo contaminado). Esse material se deposita sobre as folhas e é em parte absorvido, podendo chegar a níveis altos. Alguns compostos orgânicos presentes no ar também se acumulam. Nesse caso, o ideal, para hortas urbanas, é evitar plantas de ciclo longo (ex: folha de vinagreira, de chaya, de amora), e focar nas de ciclo curto, cuja exposição será menor. Plantas de folhas lisas tendem a acumular menos poluentes do que plantas peludinhas e rugosas. Ou seja, uma beldroega tende a acumular menos fuligem do que um assa-peixe ou um peixinho-da-horta.
Resolvendo: Lavar bem as folhas, evitar ambientes de alto tráfego e beira de rodovias e avenidas. Barreiras verticais impedem a chegada de metais pesados no particulado - prédios, telhados e densos grupos de plantas atuam como filtros. Por exemplo, uma hortaliça plantada na beira de um parque, perto de uma rodovia, e outra dentro de um parque, cercado por árvores, a segunda tende a ser menos contaminada por metais pesados oriundos do ar.

Os maiores poluidores urbanos,
só perdem para a indústria.
Contaminação do solo: o solo podem ser contaminado, e em geral é. Calçadas e beiras de rodovias são em geral contaminados devido à vazamento de produtos dos veículos, derramamento de produtos químicos, acúmulo de poluição do ar sobre o solo, etc etc. Outros locais problemáticos é onde há muito lixo (descarte de produtos químicos, de pilhas e baterias, ferrugem de objetos metálicos), uso de agrotóxicos, esgotos (resíduos de produtos de higiene e limpeza), indústrias, oficinas mecânicas e postos de gasolina. As plantas absorvem esses compostos orgânicos e metais pesados e isso acumula de forma severa em muitos casos.
Resolvendo: Não colha plantas de locais onde você não sabe se o solo é contaminado, beira de vias de alto tráfego, aterros (de onde veio o solo?) e de tudo citado anteriormente. Análise de solo por ser um pouco cara, mas se você tiver curiosidade, vale testar o solo do seu quintal ao menos para metais pesados, para ter certeza de não colocar sua família em risco. Remediar é sempre mais caro do que prevenir, não esqueça :)

Agrotóxicos: presentes no solo, água e ar, em geral com proximidade de locais com cultivo que usa veneno. Evite colher nessas áreas.

Jardins de prédios: não sei se você sabe, mas as empresas que cuidam do paisagismo de prédios são campeãs no uso de venenos e agrotóxicos. Não consuma nada! Converse com o paisagista/jardineiro do seu prédio para saber o que eles usam e se vale a pena arriscar sua saúde. E cobre para que usem métodos menos perigosos e naturais no controle de pragas. 

Plantas ornamentais: flores bonitas, em floriculturas ou nas feiras, são lindas, mas recebem toneladas de veneno para ficarem daquele jeito. Afinal, como não são usadas para consumo humano, a elas são dedicados os agroquímicos mais perigosos. Não consuma nada comprado em floriculturas ou por empresas de paisagismo. Na dúvida, pergunte. Sabe aquela pimenta que vem escrito "pimenta ornamental"? Ela seria naturalmente comestível, mas é ornamental porque deve estar repleta de veneno tóxico :) Pétalas de flores, que não são cultivadas para fins comestíveis, idem.

Não colha da beira do rio contaminado! Não! Nunca!
Dica bônus:é possível minimizar a contaminação. Primeiro, lavando bem os alimentos e tirando o superficial. Segundo - trazendo para o cultivo em casa. Colha a planta inteira ou partes dela e remova a maior parte que pode ter ficado exposta à poluição, folhas e flores, mantendo o mínimo necessário para ela pegar/brotar/sobreviver. Plante em solo descontaminado e de boa procedência, oriundo de compostagem ou substrato comercial. Não se preocupe muito em relação à proteger da poluição do ar, porque no fim das contas é o mesmo ar que você respira e não dá pra viver numa bolha.

Se for plantar em casa, remova folhas,
para minimizar contaminação. Na foto, beldroegão.
Dica bônus dois: evita colher folhas secas de árvores próximas a locais com alto tráfego, mesmo para a compostagem - prefira de locais mais afastados da cidade. Assim como terra, evite pegar em locais que você não sabe o que pode haver - praças, terrenos baldios, calçada e etc, que em geral são contaminados.

Dica bônus três: não existe nenhum truque para retirar agrotóxicos e poluentes das plantas. Carvão, vinagre, bicarbonato, iodo. Nada disso funciona, nada disso tem fundamento científico e estão tentando enganar você. O poluente está lá e vai continuar lá. 

Dica bônus quatro: Consuma orgânicos e compre/colha locais de procedência confiável, como produtores de orgânicos e cooperativas de agricultores certificados. Locais fantásticos para comprar PANC de procedência garantida são as feiras orgânicas da sua cidade - é só pedir para o agricultor/produtor!

Por fim: para fazer "mal" para a saúde depende da sua pré-disponibilidade, da frequência com a qual você ingere, da forma de preparo, da sua idade, peso, saúde. Não "sentir" nada hoje não significa não sentir nada amanhã. Fique de olho!

Frutos da taiuva: a amora verde

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Esses dias, nas andanças do trabalho de campo do mestrado - uma das razões do rareamento das postagens do blog - tive a chance de conhecer a Vanda e seu lindo trabalho na Fazenda São Benedito. Na cidade de São José do Barreiro, trata-se de uma casa secular que eles restauraram e  transformaram em uma pousada, além de produzir frutas e cachaça artesanal. Recomendo a visita!

Me deparei com as botas afundando em frutas macias caídas na grama, as quais as galinhas ignoravam. Parecidas com amoras verdes, maiores e lactescentes, logo identifiquei como sendo a taiuva. Parente da amora, é fruta pra comer ainda firme, porém doce, nunca mole como amora madura. 

Trata-se de uma árvore de grande porte e copa aberta, que durante o verão frutifica e enche o chão com seus frutos suculentos e leitosos. O sabor está entre a amora e o kiwi, com pouca acidez e uma textura de amora verde. Pouco utilizada e pouco conhecida, poderia ser utilizada para polpa, sucos e geléias. O único problema é sua colheita - seu estágio de maturação é bem específico e deve ser colhida assim que despenca da árvore, quando começa rapidamente a fermentar. 

No local, elas são pouco usadas - o caseiro do sítio comentou que acreditava ser inclusive venenosa, devido ao látex que a planta solta, e disse que apenas a fauna local aproveita os frutos. Apesar disso, em outros países da américa latina ela serve para compotas e até mesmo para aromatizar vinho.

Pela falta de infra-estrutura e geladeira, acabei comendo in natura, mas adoraria ter processado e feito um doce pastoso, um chutney, algo assim. Idéias não faltam, mas a próxima safra será só no próximo verão.






Milho crioulo: Receita de tortilla e nachos.

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O milho aqui de casa é o da direita. Os demais,
da feira boliviana Kantuta. Cada um com um sabor.
Todos não-transgênicos.
 No meio do ano, ganhei do pessoal do Etinerâncias (Valeu, Gabriel e Raissa!) um punhado de milhos coloridos, crioulos. Foram para a terra e o resultado foi uma boa colheita. Deram pés altos e levaram quase 6 meses para maturar, um trabalho de paciência e cuidado. O legal é que plantei só milhos vermelhos e cada um deu uma espiga de uma cor. 

Fiquei com dó de colher ainda imaturos, verdes, porque as cores mais bonitas ainda não haviam se manifestado - eram iguais a qualquer milho de mercado àquela altura. Quando maduros, secos, são brilhantes, coloridos, rajados, com a testa amarela e a palha rosa se revelam. Uma lindeza só, que ficou decorando meu quarto nesse janeiro chuvoso.

Separei algumas espigas, especialmente as maiores e mais coloridas, para replantar ano que vem. O segredo é debulhar apenas a porção central dos grãos, porque os  grãos das pontas tende a dar pés geneticamente inferiores, mais fracos. De cada espiga, então, salvei 10% para plantar e o restante for debulhado. E fiquei olhando para quele milho colorido, translúcido, hipnotico, sem saber ao certo o que fazer.

Os milhos lá de casa: variabilidade genética grande,
indicando que não é híbrido. Bom sinal.
E a coragem de debulhar?

Guilherme e seus milhos.
Do milho seco se faz canjiquinha, fubá, farinha, amido. Mas tudo isso exige, se não uma tecnologia específica, uma boa dose de esforço, conhecimento e mão de obra. Da colheita, apenas dois quilos, achei que todos os processos seriam demais trabalhosos para fazer qualquer coisa. O que fazer com esses dois quilos de milho?

Por acaso, estive na feira boliviana e comprei mais alguns milhos coloridos - o mote vermelho e o mote branco, e um milho morado, todo sarapintando de azul e roxo, coisa mais linda desse mundo. Esses milhos, como já falei aqui no blog antes, são usados para sopas e muitas vezes, são cozidos e depois fritos, virando um petisco crocante sensacional.

Decidimos por tortilla (pronúncia: tor-ti-lha) - é fácil de fazer, exige milhos secos inteiros, e são fáceis de congelar. É preciso, nessa ordem: cozinhar o milho com cal virgem (aquela para doce), enxaguar, processar (usei um moinho de grãos, mas o processador funciona muito bem), temperar e fazer bolinhas, prensar e passar na chapa. Parece trabalhoso, mas compensa, especialmente se você fizer de cara muitos quilos de milho. Afinal, se for sujar panela e gastar energia, que renda bastante.

Chame a família para cozinhar junta!

Prensa de madeira, emprestada da Letícia. Valeu Lê :)

Rápidos e eficientes, a produção foi seriada.
As tortillas são comumente associadas à culinária mexicana, mas estão presentes em diversas culturas latinas, baseadas em milho, embora algumas levem outros cereais e até mesmo feijões. Consistem em pães chatos, arredondados, não fermentados, feitos com milho cozido na cal - um processo chamado de nixtamalização, que libera vitaminas, amacia o milho e dissolve sua casca grossa. E sem falar do sabor - ao ferver o milho na água de cal, na hora sobe um perfume misterioso e indescritível, que dá vontade de mergulhar na panela. Delicioso e simples, daqueles sabores rústicos e maravilhosos que surpreendem por envolver tão poucos ingredientes.

Pois bem, come-se as tortillas com qualquer recheio - eu gosto de acompanhar com salada de abacate, ou queijo, ou queijo com cebola caramelada, mas pode incluir pasta de feijão, carne ao molho, legumes ao molho e até frutas. Tudo combina, igual pão. Com o detalhe de ser mais nutritivo e riquíssimo em fibras, portanto, com menor índice glicêmico.

Os nachos, por sua vez, são as tortillas cortadas em pedaços menores, fritos em óleo fervente. Se quiser fazer igual o famigerado doritos, passe-o ainda quente numa mistura de sal, colorau, orégano e páprica. Fica tão maravilhoso que você só vai parar de comer quando acabar. Eis a razão para não teros tirado fotos: não deu tempo,

Dos milhos, achei o milho azul pequeno mais fácil de preparar: cozinha mais rápido, dá uma massa mais elástica e é bem rápido de moer. Os milhos do quintal, em compensação, demoram muito para cozinhar mas tem um sabor incrível. Os milhos mote branco e vermelho demoram para cozinhar, dão uma massa elástica e de sabor adocicado. Se quiser tortilla coloridas, como mostro a diante, cozinhe-os separado e misture as massas na hora de prensar. 

A receita:
1kg de milho não transgênico
20gr de cal culinária (vende em loja de doceria e material para construção)
3 litros de água

Deixe o milho de molho por 6 horas com a água. Adicione a cal, dissolva bem e leve para ferver até estar macio e mastigável. No começo, o milho muda de cor, mas depois retorna quase à cor original. Tons muito vermelhos ficam vinho, e os azuis, ficam arroxeados. O aroma fica incrível.

O milho roxo levou 40 minutos em fogo médio, o vermelho e branco uma hora e o do meu quintal, uma hora e meia. Deixe esfriar, complete novamente com água e deixe de molho por pelo menos 8 horas (faça na noite anterior). Você vai notar que a água está gelatinosa - é a casca grossa que se dissolveu e virou um gel. Descarte a água. 

Depois, é lavar bem, processar (usei moinho de grãos, mas processador dá super certo), temperar com sal - se preciso, adicione borrifos de água para a massa dar liga, faça bolinhas e abra com uma prensa ou com um rolo de macarrão entre duas superfícies antiaderentes (usei sacos plásticos). Passe em uma frigideira ou chapa quente só para dourar e está pronto! Pode ser congelado - precisa ser chapeado antes, ou vai quebrar todo - é o calor que dá a liga.

O meu milho eu processei rusticamente, mas poderia ter batido ainda mais para uma massa mais fina e mais elástica. Isso só interfere no aspecto final, mais tosco, mas o sabor continua sensacional. Perdoem-me, mexicanos.

Massas de milho coloridas, já processadas.

Tortilla de milho azul e milho crioulo colorido.

O milhos que originaram as tortillas acima.
Tortilla de milho azul recebe recheios antes
de ir para a chapa. Delicioso!

Frijoles refritos, pimentão queimado na boca do fogão,
verdes picadinhos,vinagrete, milho frito crocante,
queijo de búfala com murupi seca.
Faltou guacamole e cebolas carmelizadas.
Tortillas coloridas: basta misturar as massas.
A rosada eu hidratei com semente de bertalha.
É isso. Quando colher milho seco e não souber o que fazer com eles, já sabe: faça tortillas.

Tarumã, uva do cerrado

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Tarumã (Vitex polygama)

Os frutos, negros.

Flores do tarumã. Lindas, não?


O fruto do tarumã é PANC!
Dei a sorte de encontrar um pé de tarumã, ou uva do cerado, (Vitex polygama) gigante perto de casa. Eu já suspeitava pelas folhas com aquele formato típico, mas só tive a certeza mesmo durante a floração, com flores bem características e parecidas com as da lavanda, do manjericão e do alecrim. É planta alimentícia não convencional sim!

A árvore é de grande porte e está comprometida - a prefeitura está reformando a calçada e ela vai ser removida, seus dias estão contados. Que ao menos deixe filhos, não? Assim que passou a floração, observei a formação dos frutos, e dei sorte de estar presente enquanto eles estavam maduros.

Não espere muita coisa, já aviso. Não é fruta para se deliciar. Muito parecido com o fruto do café, caroços grandes e a polpa, escassa, uma fina película entre a casca negra e a semente. A doçura se concentra nessa nessa massa fina e esbranquiçada, sem nenhum sabor característico, apenas doce. Acidez zero, aroma zero. O que fazer com ela?

As cascas, contudo, são a parte interessante do fruto, ricas em pigmentos e portanto, um corante natural. Sem também nenhum grande sabor, fornecem uma tinta roxa muito escura, assim como a casca da jabuticaba. Por possuir pigmento e ter a casca comestível, que façamos uma geleia. Confesso que a colheita foi pequena, e metade das frutas foram para o amigo Daniel Caballero, que cuida do projeto Cerrado Infinito, e está reintroduzindo e resgatando algumas espécies em extinção na cidade.

Da parte que guardei para mim, fiz uma tímida geleia que rendeu algumas colheradas, suficientes para comprovar o sabor - não que lembre de fato a uva, mas tem aquele gostinho de frutas escuras gostoso, amora, jabuticaba, mirtilo. Fez falta, no caso, um pouco de fruta ácida para equilibrar o paladar, trazer o azedinho que compense a neutralidade da polpa. Potencial para geleia de fazer bonito com essa fruta PANC do cerrado, ainda pouco explorada.

Como já disse, não é árvore para se fartar e se lambuzar, mas os frutos podem ser aproveitados para compor blends de chás, entrar em receitas de bolos, tortas e geléias. As cascas em infusão na cachaça a deixam com uma cor linda. As sementes, quando separadas da casca, devem ser limpas, secas ao sol e podem ser plantadas em até um ano. 

Se não é arvore para alimentar pessoas, saiba que maritacas e tucanos devoram os frutos, e as abelhas e borboletas adoram passear pelas flores arroxeadas. É antes de tudo, uma árvore ornamental e para atrair animais pro jardim. Sim, tarumã é PANC, mas não para se fartar. Um mimo do cerrado, ao menos da sua porção paulista. Será que tem mais tarumã por aí?

Colheita de tupinambos

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Finalmente, o fim da trilogia dos tupinambos. Já falei tantas vezes deles aqui que vocês já devem não aguentar mais. Para quem ainda não sabe, são batatas de uma planta parente do girassol, com um sabor muito especial. Já falei dos primeiros que ganhei de presente do Clóvis, aqui. Mostrei também que eles, por serem plantas de clima mais frio, precisam ser vernalizados, isso é, passar uns meses na geladeira, caso contrário, não brotam. Ensinei a fazer esse processo aqui.

Ainda não são muito conhecidas no Brasil, mas essas PANC tem tudo para aumentar sua popularidade no futuro. São de fácil cultivo, muito produtivas, de boa aceitação e muito gostosas. Se temos nas feiras yacon e mandioquinha, igualmente delicadas, o tupinambo será fácil de ser comercializado. O único porém é: precisam ficar em repouso na geladeira.

Depois do plantio, a evolução das plantas. No primeiro mês o desenvolvimento é lento, depois passa a acelerar em ritmo espantoso, de formando uma touceira densa. Note que as folhas são idênticas a do girassol, e as flores também. A floração, aliás, grata surpresa, possui aroma de chocolate. Por serem espécies híbridas, contudo, não produzem sementes férteis. E renova-se o compromisso de mantê-los refrigerados caso queira nova colheita no ano seguinte.

Na cozinha são versáteis, podem ser consumidos crus ou cozidos. Crus são crocantes, cozidos adquirem a textura da cenoura cozida. A vocação deles, para mim, é virarem uma bela sopa cremosa e clarinha, perfeita para as noites frias do outono. O sabor está entre a bardana e o alcachofra, ou um misto dos dois, sem amargor e levemente adocicado. Coisa fina.


Com um mês.

Com dois meses, junto com o milho.

Com três meses e meio, florindo. Chegaram a 3m
de altura.

Flores delicadas e perfumadas.

Os caules devem estar verdes na colheita.
O que deixei secar totalmente começaram a apodrecer.
Uma batata rendeu um quilo e meio
de batatinhas. Bom investimento.

Duas variedades. A da direita, plantei experimentalmente.
O pé é menor e os rizomas são difíceis de limpar,
porque tem essa forma nodosa. Quase impossível
tirar a terra toda, vou abandonar esse cultivo.

A primeira degustação. Assados ao alho e alecrim. Nhac!



Laranjinha, limeberry

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Estive por muito tempo procurando essa planta parente da laranja, chamada de laranjinha (Triphasia trifolia). De fruta cítrica nada tem na aparência, estando mais para murta do que para uma pequena laranja. Receitas pela rede são poucas, informações em escassez. O que se diz dela é que é uma planta usada como ornamental, muito invasiva, que tem gerado alguns problemas ambientais em regiões litorâneas. Ou seja, é bom ficar de olho caso vá plantar a laranjinha por aí.

Um ramo e seus frutos, doces e amarguinhos.

Cada pontinho escuro na fruta é
uma bolsinha de óleo.

Uma rama da planta. As folhas não tem aroma.

Essa pequena frutinha tem um sabor potente - na sua casca, é possível observar pequenas bolsinhas de óleo essencial, que se rompem e liberam na boca esse aroma doce-e-amargo de laranja. Na verdade é um sabor cítrico que não dá pra associar com nenhuma fruta em particular, lembrando talvez uma kinkam. Bem potente, equilibra um amarguinho gostoso com o doce e o perfume picante de casca de laranja. A planta tem as folhas em forma de trevo (eis seu nome científico, tripholia), e é munida de fortes espinhos, assim como alguns tipos de limão.

Depois de tentativas fracassadas de adquirir essas sementes pelos correios, fazendo minha pesquisa de mestrado, encontrei no quintal de um morador do Vale do Paraíba. Para minha tristeza, em poucos dias as sementes perdem a viabilidade, então não sobrevivem bem à remessas postais, o que é uma pena.

O senhor que a tinha no quintal disse que se uso para aromatizar cachaça, e acredito que deva produzir algo que lembre o licor curaçao, só que em uma tonalidade avermelhada (de onde vem aquele azul, te pergunto). Porém, esse uso era só antigamente e hoje em dia a planta caiu no esquecimento.

As sementes são pequenas e muitas vieram abortadas - foi difícil encontrar ao menos uma que estivesse em condições de plantio. Estão há um mês na terra e até agora, nada. Estou sentindo que vai ficar só na lembrança. Caso tenha frutos aí, aproveite e use-os!

Malvavisco e geleia com suas flores

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Faz tempo que estou para postar esse experimento. O malvavisco (Malvaviscus arboreus) esteve lindo com essa chuvarada toda que abateu sobre São Paulo nesse verão, e aproveitei para coletar algumas flores para fazer a geleia. Suas flores são comestíveis, asim como suas folhas, consideradas uma verdura PANC. O malvavisco é parente do hibisco, tanto o de fazer chá quanto o ornamental (que também é comestível, tá?).




São lindas e podem ser consumidas cruas.
Ou consumir uma tarde toda para virar geléia.
Essas lindas flores vermelhas também são cheias de bichinhos dentro. Insetinhos pretos, minúsculos, que exigem que você abra flor por flor para ter certeza que a geleia será vegetariana. Não desenvolvi algum método mais prático, alguém que saiba pode me ensinar?

Pois bem, dois sacos de pétalas e quase três horas depois, as flores despetaladas foram para a panela com açúcar, e cozidas em fogo baixo. Apesar de ser uma flor, a família das malváceas, da qual provém o malvavisco, não é famosa pelo perfume que exala - em geral são flores lindas, mas inodoras. Então, já imaginava que o sabor seria suave.

Rapidamente as pétalas foram ficando cremosas, se dissolvendo, liberando um espessante natural que deixou a geleia bem grossa - algo como uma versão menos babenta da gosma do quiabo (são parentes, olha só). Fui provar a geleia e... gosto de nada. Pra não dizer que não tem gosto de nada, tinha um gostinho de fundo, de mato cozido. Me senti na obrigação de fazer aquela massa vermelha e doce ficar palatável - adicionei caldo de limão, casca de laranja, cardamomo e cravos, e assim virou uma bela geleia vermelha de malvavisco com gosto de laranja.

o crime não compensa
Se compensa? Não faria novamente. Muito trabalho para resultar em um pequeno pote de geleia sem nenhum gosto em especial. Que é comestível, é. Mas dá trabalho. Talvez uma flor para ir junto com uma fruta clara, como maçã, pera, cambuci ou abacaxi - ai acho que o resultado pode interessar. E quem conseguir um método menos manual de tirar os bichinhos das flores, me avisa!

Cambuquira no creme de abóbora

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Brotos de chuchu
Fico em dúvida se posso chamar a cambuquira de PANC, porque ela está no limiar entre uma planta convencional e uma não convencional. É mais um daqueles ingredientes que vai sendo esquecido e que o uso desaparece com o tempo. Afinal, onde encontrar brotos de cambuquira? Esses brotos macios e deliciosos são utilizados fora das grandes cidades desde sempre, aquele sábio conhecimento das antepassadas de aproveitar tudo que está disponível.

Cambuquira é o nome dado aos brotos do chuchu, da abóbora, do pepino, da bucha, do caxi, da abóbora d'água e de uma dúzia de outras plantas da família das curcubitáceas, todas aparentadas e com brotos macios, tenros e comestíveis. Algumas mais peludinhas, outras mais lisas, algumas mais cremosas, outras mais crocantes. Segundo minha avó, cambuquira também são as flores da abóbora e da abobrinha. Verdade ou não, a flor da abóbora também é deliciosa, e uma iguaria muito apreciada na Europa e por aqui.

Por sorte, é um recurso abundante, de fácil cultivo, fácil colheita, fácil de preparar e muito saboroso. O sabor e a textura são muito parecidos com o espinafre, mas com um fundo que só a cambuquira tem. Em pequenas plantações, após um mês do plantio da abóbora e do chuchu, o desbaste é recomendado, removendo as pontas dos brotos para que a plantas "engorde" e cresça mais ramada. Isso é ótimo, porque a planta aumenta enquanto essa verdurinha deliciosa é colhida.

Usa-se apenas a ponta dos brotos

O ideal é utilizar a ponta dos brotos, com não mais do que um palmo e meio. Acima disso, as folhas podem estar fibrosas e o talo precisa ser descascado, como um brócolis. Aquelas molinhas, as gavinhas, devem ser removidas, especialmente as mais enroladinhas, que estarão fibrosas. Os talos da abóbora recomenda-se descascar, e sim, eles são ocos mesmo.

Na Ásia, são amplamente consumidos, na cozinha vietnamita, tailandesa, malaia e chinesa. Se quiser ver fotos e receitas, procure por pumpkin shoots ou gourd shoots, porque há muita coisa na rede. Na cozinha caipira também há muitas receitas, em geral simples, refogando as folhas lentamente na gordura com cebola e alho, acompanhando polenta, carnes ou feijão. Fica sensacional também picadinha no creme de milho, que pode ser um prato único.

A forma de preparo caipira que me foi ensinada é a semelhante à forma que aparece nos artigos em inglês - você limpa os brotos, tiras as molinhas, as folhas mais velhas e duras, corta em pedacinhos, escalda e depois refoga. Os escaldar eu descobri que serve para amaciar, porque são vegetais que exigem um pouco mais cozimento para chegarem lá, especialmente a do chuchu Ficam sensacionais acompanhando pratos do dia a dia, em recheios de pães, em suflês, em molho branco, em tortas salgadas e em sopas

Se quiser cambuquira, peça ao feirante que planta chuchu ou abóbora e ele trará para você. Há quem prefira os brotos do chuchu, mais lisos e crocantes, há quem prefira os da abóbora, mais macios e aveludados. Para cada prato você pode usar um deles, porque são bem parecidos. Os do pepino são adocicados, os da abóbora d'agua são suculentos, os da bucha são crocantes.

Para a postagem de hoje, é um prato simples, inspirado nas receitas caipiras e também em receitas orientais. A base da sopa são sabores do quintal - alho, abóbora, aipo e cúrcuma, com um toque de especiarias. Ou faça a sua receita, puramente caipira ou um pumpkim curry soup, à seu critério. 

Usei duas abóboras - a menina ou de pescoço, para trazer doçura e perfume e kabochá, que tem sabor acastanhado e dá uma cremosidade fenomenal. Ficão tão boa que é a terceira vez que faço a sopa essa semana, nessa última já com um pouco de folhas de nirá, porque a cambuquira era pouca e a feira só na próxima semana. Não use muita água, a ideia é uma sopa cremosa e mais densa.

Abóbora e cambuquira de chuchu
Creme de abóbora com especiarias e cambuquira.

Sopa:
350 gramas de abóbora kabocha sem casca em cubos
350 gramas de abóbora menina sem casca em cubos
1 cebola grande, em cubos pequenos
1 dente de alho grande, pilado
1 talo de aipo + duas folhas
10 sementes de coentro
1 colher de café de folha de coentro
1 col de café de curcuma em pó
1/2 col de café de curry ou masala picante (opcional)
2 col de café de ghee ou manteiga ou óleo
sal a gosto

Sopa

Refogue a cebola, abóboras e o alho no ghee. Assim que dourar, coloque o aipo, complete com água e ferva até a abóbora amaciar (por volta de meia hora sem pressão). Adicione o restante dos ingredientes, ferva por 3 minutos e desligue. Bata até ficar cremoso (pouca água). Acerte o sal.

Cambuquira

Limpe talos e uso apenas o primeiro palmo, mais macio. Remova as gavinhas mais firmes. Possível usar as folhas mais jovens e menos ásperas. Ferva por 5 minutos, descarte a água, adicione nirá ou alho picadinho, azeite e refogue por mais alguns minutos. Prove e acerte o sal. Sirva a sopa com a cambuquira por cima e coma bem quente.

Resultado da receita: comida de afeto.

Chuchu-de-seda, abaty, chuchu-do-mato, cruel-vine

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Fruto jovem e última flor da temporada
Ganhei minha primeira sementinha de chuchu-de-seda (Araujia sericifera) há mais ou menos um ano e meio, e a planta ficou comportada em um pequeno vasinho. Quando chegou o verão do ano passado, começou a crescer de forma desordenada, e eu, sem saber o que fazer, passei-a para a horta. Na falda de estrutura e glamour que é uma horta urbana, amarrei duas madeiras em forma de triângulo, fixei no chão, passei uns fios, e a planta se contentou. As ramas longas e brancas que surgiam em profusão, com sua coloração distinta. Eu gentilmente as enrolava, formando uma moita enovelada de trepadeira. E assim, virou um emaranhado de ramas, muito denso, mas que insistia em escapar e se enroscar nas plantas da vizinhança. É planta para se plantar com espaço e certa atenção.

Pudera, o chuchu-de-seda é uma planta de crescimento muito rápido e potencialmente invasiva, tornando-se um problema ambiental fora do Brasil. Os frutos, quando maduros, deixam de ser macios e suculentos e ficam secos e fibrosos, abrindo-se e liberando muitas pequenas sementes voadoras. Você que acompanha o blog sabe: plantas com sementes voadoras em geral são invasivas! O nome científico, sericifera, que dizer similar à seda, porque as sementes são cobertas por uma material brilhante e macio, que dá até dó de debulhar para tirar as sementes.

As sementes são rigorosamente imbricadas, e a
paina branca brilha como seda. Meio assustadora,
meio encantadora.

O fruto se abre e cada uma dessas sementes
sai voando e brota por aí. Imagina o estrago.
Para nossa sorte, cada fruto pode dar origem a muitas outras mudas, mas em locais onde ela não é nativa, isso vira uma grande dor de cabeça. Por aqui, ela é apreciada por borboletas, que fazem o controle natural da planta. E nós, que devemos e podemos consumir esse legume gostoso que é produzido em abundância no outono-inverno.

A parte comestível é o fruto, verde e tenro, que faz às vezes de chuchu pelo sabor suave e delicado. Precisa ter a pele removida e as sementes, e ficar de molho em água para perder sua seiva branca e pegajosa. É um dos poucos frutos comestíveis dessa tão tóxica família chamada Apocynacea, mais famosa por suas flores ornamentais e muito venenosas. Por sorte, o chuchu-de-vento, quando cozido, é seguro para o consumo.

Primeiro, flores perfumadas lindas e abundantes.

Depois, os frutos de aparência surreal. Os
maiores já em ponto de colheita.
O sabor lembra o chuchu, mas talvez mais esponjoso, macio. A casca deve ser removida antes do cozimento - aliás, é bom fazer isso dentro da água, porque é um fruto repleto de látex branco. O miolo deve ser descartado, restando a polpa branca e fofa. Ela é tão leve que, ao ser colocada na panela com água, boia na superfície, feito isopor. Cozinha rápido e pela textura e sabor suave, é versátil e pode ser usada em sobremesas, geleias e doces cristalizados, a exemplo do mamão-verde. Não vi diferença em relação ao chuchu, exceto pela textura mais macia.

solta muito látex. descasque dentro
da água para não manchar as mãos, parece tinta de parede.

a minucia da organização das sementes.
a natureza é minuciosa, não? a paina, ainda imatura,
tem a cor e a textura da seda.

cozido, você não diz que não é chuchu, apesar da
textura mais macia. cozinha em 10 minutos e não
deixa a mão grudando.
A planta é rustica, tolera pelo sol, é pouco atacada por pragas e pouco exigente em relação à fertilidade do solo. Em solos mais ricos e úmidos, claro, vai produzir uma boa quantidade de frutos. elo crescimento rápido, é uma fruta que poderia ser produzida sem problemas em larga escala, porque é oferecida, produtiva e abundante. Se multiplica também por estacas e pedaços de galhos mais antigos. As flores são brancas ou roxas, perfumadas, pendentes e muito ornamentais. É daquelas plantas que vou querer ter sempre comigo, porque é bonita, produtiva, fácil de cultivar e rústica.

Chaya: o super alimento

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Folhas de chaya indo para a panela.
Você não está lendo errado: já falei da chaya aqui

Se você consome a ora-pro-nobis ou a moringa, as famosas plantas do momento, notáveis por suas propriedades nutricionais, ricas em proteínas, vitaminas, nisso e naquilo, precisa conhecer a chaya. Não, ela não é uma planta milagrosa, porque planta nenhuma faz milagre. Não vai curar todas suas doenças, mas vai deixar seu organismo bem mais saudável. E de quebra, não tem o gosto forte da moringa ou a baba da ora-pro-nobis. E sim, é uma PANC.

A chaya (Cnidoscolus aconitifolius) está famosa nos EUA, mas isso é uma daquelas modas passageiras, tal como a gojiberry e a farinha de maracujá. Fato é, apesar de todo o marketing, a chaya é uma hortaliça consumida há séculos nos México, com indícios de seu uso pelos Maias, repleta de história. Quando uma planta fica famosa, a  industria descontextualiza toda a cultura na qual a planta está inserida e a transforma em uma tabela de valores nutricionais. Então saiba que, apesar de todos os benefícios nutricionais, ela tem uso tradicional e está envolta em uma rica cultura.

Nunca fui muito bem sucedido no meu canteiro de hortaliças, especialmente porque a água é um problema - só estou presente para regas uma vez por semana. Por isso que eu amo as PANC - mesmo sem cuidado, muitas espécies, mais rústicas, se desenvolvem bem. A chaya é uma dessas. Passou de uma estaca de 20cm para um arbusto de quase três metros de altura em pouco mais de um ano. E quanto mais se colhe, mais ela produz. Não sei dizer uma hortaliça que produza tão bem com tão poucos recursos. Isso sim faz dela uma planta miraculosa, equivalendo à moringa.

O sabor da chaya lembra o da couve, embora seja também chamada de espinafre de árvore. Diferentemente dessas verduras, não exige solo fértil, produz abundantemente o ano todo e praticamente não é atacada por insetos. Por isso, acredito que seja uma planta perfeita para quem quer folhas para acompanhar o almoço mas não tem disposição para cuidar de uma horta. E ela cresce muito rápido, virando um arbusto bonito e comestível.

a planta, em dezembro de 2015

em fevereiro de 2016

em maio de 2016

em fevereiro de 2017
Suas folhas são recortadas e com formato característico, sofrendo alterações quando a planta é nova ou mais velha. Há pelo menos 4 variedades comuns em cultivo. Para plantar, basta espetar uma estaca no chão, em um local que tenha pleno sol, e esperar pelas folhas. Claro que, caso receba irrigação periódica e um bom composto orgânico, vai se reproduzir mais rápido ainda e ter folhas maiores. Mas não é essencial.

de onde uma folha é retirada surge um novo caule

os rotos crescem à olhos vistos

as flores surgem ocasionalmente,
mas não frutificam.

Com quase 3 metros de altura, as borboletas aproveitam
as flores.
As folhas da chaya mentém a cor verde bonita e a textura quando cozidas, não ficando molengas demais - é difícil diferenciar da couve, na cor, textura e sabor. O preparo, contudo, é um pouco diferente - ela precisa ser fervida por alguns minutos antes de receber o tempero, e a água deve ser descartada. Também é bom que se evite panelas de alumínio, que liberam toxinas em contato com a chaya. As folhas são tão ricas em proteínas quanto o feijão-fradinho, contando com uma dose alta de cálcio, vitamina A, C e complexo B. 

Duas variedades em cultivo: mansa e estrella.
Essa planta alimentícia não convencional (é convencional no México, aqui não) é bem versátil na cozinha - além do uso refogada, é usada em pamonhas salgadas (tamales), panquecas, pães verdes, molhos, e todos os usos que se fazem com o espinafre. Já fiz pastel com queijo fresco, recheio de pizza, omelete e sopa, e todos ficaram sensacionais. Use as folhas menores e mais tenras, e remova o talo. Basta picar, fervê-las, escorrer a água e depois refogar. E que tenhamos mais chayas por aí!

O uso do shissô em bebidas e sobremesas

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Cordial de shissô com hibisco.

Cordial é um concentrado de fruta que se dilui em água, fazendo um refresco leve e saboroso. Trata-se de uma bebida adoçada à base de ervas, frutas ou especiarias, feita à partir de um extrato licoroso que se dilui em água. 

O cordial surgiu como uma forma de preservar as frutas, da mesma forma que a geleia, mas usando outra técnica, e sem o uso de álcool, como alguns licores. Enquanto a geleia usa a fruta inteira, o cordial só usa fruta ou erva para extrair seu sumo e aroma, sem usar a parte sólida. Isso resulta em um xarope cristalino e leve. Em em geral só leva ingredientes naturais, mas existem versões engarrafadas. É uma forma de extrair o aroma das frutas e ervas para fazer bebidas refrescantes e saborosas.  Existem muitos sabores clássicos, como o de laranja, o de limão, o de gengibre e o de flor de sabugueiro (o elderflower cordial é um clássico britânico). 

A erva que escolhi para fazer o meu cordial é uma planta de origem oriental, super comum no Japão, mas que é usada como tempero - o shissô (Perilla frutescens). Parente do manjericão, esse é o momento de usá-lo, porque ele floresce e seca nos meses do inverno, e agora está no auge da sua exuberância. Tradicionalmente, é usado para aromatizar conservas e como tempero em pratos salgados, como udon. Resolvi tentar uma bebida aproveitando seu aroma peculiar - acho que os japoneses mais tradicionais vão estranhar, mas prometo que fica bom.

Existem variedades de shissô, alguns com as folhas mais recortadas, outros com as folhas inteiras, alguns verdes, outro bicolores, e outros totalmente roxos. O que usei foi o bicolor, com a parte de cima da folha em verde e a de baixo, roxa. 

Não é um tempero lindo?

Eu encontro shissô toda semana na feira de sexta-feira da Aclimação, em frente à rua Machado de Assis, porque há uma família oriental muito simpática que produz e vende seus produtos, muitos não-convencionais (como caruru, bardana, broto de chuchu, nirá e taioba). Vale visitar e aproveitar a safra!

Para a receita, você vai precisar de um maço de shissô, com aproximadamente 150g de erva fresca, 400ml de água, 300gr de açúcar e 2 colheres de flores de hibisco, para dar um tom rosado delicado. Para arredondar o paladar, 70ml de suco de limão ou 10gr de ácido cítrico (vendido em lojas de produtos naturais e de confeitaria, e ao contrário do suco de limão, é azedinho sem turvar a bebida). 

Usei flores e folhas e descartei os caules. Lavei-as bem e coloquei em uma tigela e juntei o hibisco.Você não pode cozinhar a erva, ou ela fica com sabor de verdura cozida e perde o aroma. O ideal é apenas escaldar, deixar o sabor ser capturado pela água e repetir o procedimento, para tirar o máximo de sabor. 

Escalde duas vezes para tirar o aroma sem que
 fique com gosto de mato cozido.
Em resumo, acrescentei 200ml de água fervente e deixei 5 minutos, coei, e depois escaldei com a outra metade da água, e coei novamente. Adicionei o açúcar e levei ao fogo até que ele se dissolvesse (não ferva, ou o aroma vai embora). Quando esfriar, adicione o suco de limão ou o ácido cítrico para acertar o paladar e engarrafe. A garrafa eu lavei com água fervente para esterilizar. Armazene em geladeira por até um mês.

Para consumir, adicione 1/6 do volume do copo com o extrato do cordial, e complete com água gelada e pétalas de flores. Fica muito refrescante e é uma delícia, com todos os benefícios do shissô para a saúde. Pode ser usado também em bebidas alcoólicas.




Curiosidade sobre o shissô: o chá possui uma cor esverdeada neutra, mas em contato com qualquer ingrediente ácido, fica rosado. Eu usei hibisco para que o produto diluído ficasse nesse tom, mas se fizer o chá puro e quiser tentar usar limão, verá que a transformação é bem rápida. Possivelmente, o pigmento é sensível à mudanças de pH, assim como os corantes do feijão-borboleta e do repolho roxo. Veja o vídeo abaixo:




Chá de tagetes com primavera

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O blend de ervas do sítio: perfumado
Eu amo o outono, e o frio pede uma xícara de chá. Estava com vontade de inventar, por isso colhi algumas flores da época para uma xícara de chá perfumada e bem quente. As eleitas foram o tagete, (também chamado de cravinho-do-mato), para dar sabor, a primavera (também chamada de bougainville) para dar cor, e folhas de limão e brotos de mate.

Aqui, chamarei essa espécie de tagetes de "cravinho-do-mato", outro de seus nomes populares, para diferenciar das tagetes ornamentais, vistosas e dobradas. O cravinho do mato (Tagetes tenuifolia), nasce sozinho lá pelas bandas da casa dos meus pais. Não completamente sozinho, porque eu pego as plantas secas, cheias de sementes, e literalmente espalho por todo canto. É a planta mais comum por lá, essa época - é uma flor típica do começo do outono. No resto do ano ela floresce, mas não com essa exuberância de enlouquecer borboletas e abelhas. Fácil de cuidar e muito rústica, ela vai se auto-semeando, a ponto invadir outros canteiros.

flor da tagete ou cravinho-do-mato
E sim, é considerada alimentícia. A planta toda é fonte de óleo essencial, muito aromático. Aliás, diversas plantas desse gênero são perfumadas, como a huacatay (falei já dela aqui). No caso do nosso cravinho do mato, também é parente dos cravos-de-defunto ornamentais, compactos. As suas folhas são levemente amargas mas podem ser utilizadas como condimento e aromatizante, mas a prata da casa são as florezinhas alaranjadas. No chá, ficam uma delícia, com um cheiro meio mentolado, meio cítrico, muito gostoso. Você pode usar outros tipos de tagete, desde que não sejam tratados com veneno.

Ah, sim, e no jardim, além de lindas, são plantas companheiras para hortaliças, repelentes de diversos insetos indesejados na horta. Mas fique tranquilo, abelhas e borboletas adoram.

a colheita deixa a mão perfumada e manchada de amarelo.
No mundo inteiro elas são usadas - no Peru e Bolívia, as folhas de espécies próximas são usadas como tempero, e na Geórgia, pétalas de certas variedades são usadas como condimento e corante, transformadas em pó, de maneira análoga ao açafrão (procurei por Imeretian saffron e tive bons resultados, como esse produto aqui - pó das pétalas secas). Então não estou inventado nada. Aliás, há uma masala do cáucaso chamada Khmeli suneli ou ხმელი სუნელი, que parece ser simples de fazer: receita aqui e uma versão mais simples, aqui).

Aproveitei a época das flores de primavera (bouganville) que, sim, são comestíveis (na verdade, as flores e as folhas modificadas, coloridonas). Aparentemente, de todas as coras. Você pode consumir frescas na salada ou secá-las para fazer um chá. Ficam lindas e não perdem a cor, sendo uma adição interessante para mix de chás, e como corante alimentar. Eu usei da cor pink e da cor laranja.

sim, ela é comestível. todas as cores.
só as flores.

Juntei folhas de lima-kaffir (mas poderia ser de limão), um pouco de folhas e brotos de mate, piquei tudo e deixei secando à sombra em uma peneira larga por 5 dias. Guarde em pote hermético. Para o chá, usei 1 colher de sopa da mistura para 2 xícaras de água fervente, deixei descansar por alguns minutos e coei. A cor forte do cravo-do-mato se sobressaiu à primavera, o que é uma pena. Achei que fosse ficar rosado, mas o laranja dominou. O sabor ficou bem gostoso, cítrico, perfumado e enigmático, e foi aprovado aqui em casa. Na próxima colocarei cascas de bergamota seca e folhas de pitanga. E mais flores de primavera.


o chá e o blend de ervas: delícia!


Alimentos típicos dos Andes - o que provar no Peru

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Um pouco de tudo que se encontra em um mercado cusquenho.

Recentemente tive a oportunidade de conhecer o Peru, e fiquei intrigado sobre como faltam informações na internet a respeito dos alimentos nativos da região. É curioso que se fale muito de pratos, como o ceviche, mas pouco das frutas nativas incríveis que esse país possui. 

Fiquei encantado com o Peru porque ele combina litoral, Andes e floresta amazônica, numa mistura de climas que vão do desértico ao mediterrâneo ao tropical. Então, você encontra de cupuaçu até cerejas no mercado, tudo colhido naquele país.

Os Incas eram um povo com tecnologias agrícolas incríveis, e conseguiram aclimatar diversas plantas que não são originalmente daquela região, de forma que é muito rico e muito biodiverso. Batatas, inúmeras. Milhos, milhares. Tudo muito colorido, assim como a roupas típicas e os pratos.

Fiz uma pequena lista de ingredientes que você deve provar quando for para lá - assim como pode tentar trazer para consumir por aqui. 

Algo que estranhei por lá é que os ingredientes nativos são pouco ou nada explorados nos restaurantes. Fiquei abismado como para beber não há um bom suco nativo - predomina a chicha, um chá de milho roxo, ou refrigerantes. Para os pratos cozidos, o acompanhamento era batata ou milho branco - das muitas variedades de raízes que eles possuem, é pouco.

Só não vá chamar de PANC - por aqui não são nada convencionais, mas por lá, são convencionais, cheias de tradição e história.

Tumbo (Passiflora molissima)




A polpa é laranja, ácida
e muito perfumada.
Não à toa é chamado de maracujá-banana, é muito curioso seu formato. Nos primeiros dias, eu estava convencido de que se tratava de um pepino local, até que vi um pé carregado de frutos - desconfiei que fosse um parente do maracujá. Sói quando provei o fruto constatei - é um maracujá, e delicioso. A polpa é laranja com um sabor ácido e único - lembra um pouco o papaya. Achamos fenomenal, mas ficamos chateados que ele não produz aqui - precisa de altitude e climas frios. Talvez no Vale do Paraíba? Lá no Peru há um certo preconceito com essa fruta - é considerada comida de pobre, por isso, fora dos cardápios e cafés da manhã.

Pepino, pepino dulce (Solanum muricatum)

O fruto está pequeno, mas pode chegar a meio quilo.


as flores de melão andino, na horta da USP.

Esse tem aqui no Brasil, chamado de melão-andino, cultivado no Sul e Sudeste. Os daqui do Brasil são meio insossos e com perfume suave, mas os frutos andinos são incrivelmente aromáticos e saborosos. Parente do tomate, por dentro tem polpa suculenta e doce, com aquele umami maravilhoso de um tomate maduro, além de acidez. Lembra melão, mas não é idêntico. Uma fruta deliciosa para suco ou sobremesa. Acho que a minha favorita. Pega por estava facilmente e é cultivado e meia-sombra.


Lucuma (Pouteria lucuma)

Comer de colher é uma boa idéia.
Por fora, parece um abacate redondinho - por dentro, tem um caroço grande  a polpa amarelada, seca e farinhenta, igual gema de ovo. Aqui no Brasil temos uma espécie-irmã, o canistel. Apesar do pouco sumo e da textura massuda, tem sabor de tâmara. Idêntico. Fico imaginando centenas de receitas com ela, substituindo esse ingrediente tão caro que é a tâmara (taxas de importação, monamu). Minha mão coçou para trazer semente, mas não tive coragem.

Apesar de não ser nativo dos Andes propriamente, é facilmente encontrada por lá.

No Peru se faz sorvete, que fica com sabor entre o caramelo e a passa, sensacional. Ainda pouco explorado, sem amargor e o gosto forte do canistel, tem um potencial grande de mercado. Muito nutritiva, uma fruta pequena pela manhã garante energia e disposição para horas!

Tomate de Arbol (Cyphomadra betacea)

Abundante nos mercados

Na feira, são vendidas mudas.
O nosso famoso tamarillo, ou tomate de árvore, é vendido na seção de legumes dos mercados de lá. É comum ver arbustos dele pela cidade ou nos quintais, como uma fruta doméstica. De sabor que lembra tomate com um monte de frutas, é preciso manusear sua casca com cuidado - caso contrário, fica amargo. É doce e delicioso - eu comia de colher, o que chocava os peruanos, que o consomem cozidos. Vai bem aqui o Brasil, em regiões de clima mais ameno.

Mote com Queso e Milhos Coloridos

São comuns nas feiras, comida de rua.

Mote com queso.

Na empanada, com acelga.
Mote é esse milho branco gigante, considerado típico da região de Cusco, adocicado, muito macio e saboroso. Um dos melhores milhos que já provei. Ele é servido tradicionalmente com uma fatia de queijo curado, vale provar a combinação dos dois. Entra também no recheio de empanadas, emprestando doçura. 





Os milhos coloridos cozidos, sejam secos ou verdes, são mais difíceis de achar mas valem à pena - são saborosos e cada um tem seu charme. Notei que os pés são pequenos - enquanto por aqui ficam enormes, por lá não passam de um metro e meio. Será a altitude?

Huacatay (Tagetes minuta)


Essa é a planta nascendo em uma ruína histórica!

No mercado ela vem assim, em maço.
Tempero obrigatório de pratos peruanos típicos - se for em restaurante, peça para trazer de acompanhamento, porque eles só trazem se você pedir. Parente do tagete, tem aroma complexo, cítrico e refrescante - um cruzamento de manjericão, coentro e casca de limão. No mercado de San Pedro, é usado em molho para pescado, como condimento do locro de zapallo (sopa de abóbora gigante). Não deixe de provar - para mim, o sabor da culinária Andina vem desse tempero.

É uma planta espontânea, parente do cravo-amarelo, que nasce lá por toda parte. Para nós, uma PANC comum em beiras de estrada brasileiras. As variedades daqui são amargas, as de lá, não. Eu achava forte e não tive coragem no Brasil - mas por lá entendi como se usa - picadinho, como salsinha. 

Papalisa, oca e mashua

As coloridas: oca. As amarelas: mashua.
Nos mercados, infinitas variedades.
Devo ter falado dessas três batatinhas aqui no blog, lá trás, no começo. São plantas rústicas, tolerantes ao frio, ao tempo seco e a solos pobres. Falei da papalisa (Ullucus tuberosus) aqui, e da oca (Oxalis tuberosaaqui. A papalisa é parente da bertalha, são pequenas batatas muito coloridas de textura macia, que se consomem cozidas, de sabor suave e neutro. A oca, por sua vez, é um trevo batateiro muito saboroso e adocicado, que possui infinitas cores, tamanhos e variedades. Assado com o fio de azeite é uma iguaria.

A mashua (Tropaeolum tuberosus) é a capuchinha batateira, que tem pequenas raízes cujo sabor, quando cozidas, lembra o nabo. Se consumem também as folhas, como da capuchinha. No foto, são as raízes amarelas. A planta é um encanto, belíssima.

Maiz morado e a chicha


Maiz morado é aquele milho quase preto muito comum por lá, usado basicamente na forma de chá adoçado. O milho com seu sabugo são cozidos com especiarias, às vezes com frutas como maçã, morango, abacaxi ou limão e servido gelado. É uma delícia. Para consumo cozido, os grãos são duros e secos - apesar disso, rendem boas tortillas (mas daí é invenção minha).

Porotos



Se parecem com feijões, mas tem uma particularidade - são consumidos assados. Quando colocados em forno baixo e assados como o amendoim, eles explodem e ficam graúdos e crocantes, muito saborosos. É uma comida de festa. Um dos poucos feijões com essa capacidade, de estourar ao ser aquecido à seco.

Aguaymanto (Physalis peruviana)






A nossa comum fisális, juá-de-capote ou camapu. A variedade vendida por lá é graúda, muito doce e deliciosa, com pouca acidez. Além de baratíssimo - o valor do quilo lá equivale a 100gr aqui, ou seja, aqui é 10x mais caro. Se faz com ela geleias e sucos, apesar de ser pouco explorada localmente. É comum ver moitas carregadas ao longo das estradas - deve ser uma planta espontânea por lá.

Chirimoya (Anonna cherimola)



Parente da nossa atemóia (aliás, é a mãe da nossa atemóia, que é um híbrido com a fruta-do conde ou ata). Doce, muito saborosa e perfumada, usada em sucos, sorvetes e sobremesas. 

Sauco (Sambucus peruviana)


Nos mercados é comum sua geléia, assim como a de
fisális e de batata yacon.
Praticamente uma berry, oriunda de uma árvore andina. Frutos negros, pequenos e adocicados, cuja safra se dá no verão. Muito comum na arborização urbana de Cusco. É usada em xaropes, geleias e como cobertura de pudins.

Pimentas (aji e locoto)

São duas pimentas típicas. A aji amarillo, é a base da culinária, muito saborosa, perfumada e com picância considerável, é transformada em pasta e adicionada como base de sabor para pratos como papas a la huancaina. A locoto ou rocoto é maior, e apesar de ardida, é feita recheada e frita, no prato rocoto relleno, absolutamente delicioso.

Na foto: ervilhas, aspargos, repolho, chuchu-de-vento,
milho mote, aji rojo, rocoto, tamarillo.


A pimenta recheada e frita,
na versão vegetariana -
porque não como bicho morto :)
Tuna (Opuntia ficus-indica)


A tuna é o nosso figo-da-índia, que não é figo nem da índia, mas fruto de um cacto andino. Muito saboroso, de polpa doce e suculenta, repleto de sementes durinhas. Vendido nas ruas, existe da polpa amarela, rosada e vermelha. É preciso remover a entrecasca e tomar cuidado com eventuais espinhos.

Muña (Minthostachys mollis)




A menta peruana. Nativa das regiões de altitude dos andes, é uma erva rasteira muito aromática, que combina o sabor da menta, da hortelã e do poejo. Muito comum por lá, é digestiva e aromática, servida acompanhando todas as refeições. Um chá delicioso, vende baratinho nos mercados - vale trazer um estoque para tomar no inverno.

Granadilla (Passiflora ligularis)




Um tipo de maracujá doce local. A casca é muito dura e quebra igual uma casca de ovo. A polpa é clara, perfumadíssima e muito doce, quase sem acidez. Uma fruta maravilhosa para comer às colheradas, ou ainda para drinks.

Batatas, de todos os tipos


Peru é a terra da batata. Há infinitos tipos, uma para cada uso. Há coloridas, e as azuis são lindas! Vale provar! Se seu hostel tiver cozinha, sua janta está garantida.

Chichas



São bebidas fermentadas vendidas em feiras. Apesar de vendidas em baldes, o que dá uma péssima impressão, são bem gostosas - ainda que com açúcar demais. Trazem usos diferentes para ingredientes como a quinua e o amaranto. Algumas, como a de quinua com maçã ou com morango, lembram o yakult, enquanto outras lembram um leite de soja azedinho. Elas vem em um saquinho que você fura e bebe - lembra do Muppy (leite de soja de saquinho) de antigamente? É igual.

ONDE COMPRAR (em Cusco):

Mercado San Pedro - vale explorar. Chegue cedo e não tire fotos sem permissão. As nativas não gostam de turistas, não insista em perguntas se não for comprar. Vale provar as vitaminas de frutas, os bolos coloridos, e no fim do mercado, pratos vegetarianos como o locro de zapallo e aqueles à base de tremoço branco, chamado de tarwi ou tarhui. Há churros de batata doce amarela vendidos na porta, assim como frutas de todos os tipos. Prove as chichas, em especial a de quinua com maçã. Há ainda queijos curados, pães gigantes e barracas de plantas alucinógenas (coca, peyote, mescal, san pedro, psilocybe e yopo). Fuja da parte do açougue.

Mercado Wanchaq - fora do circuito turístico, com muitas opções de frutas. Não se assuste com os animais mortos à venda, como porquinhos da índia e porcos. Não é bonito, mas vale a experiência.

Supermercado Mega (em frente à praça Tupac Amaru) - supermercado com grande oferta de ingredientes típicos, bom para frutas frescas, legumes, cervejas e geléias. Ótimos preço, uns 20 minutos do centro.

Feira de Sábado da Plaza Tupac Amaru (Bairro Wanchaq) - Fora do circuito turístico, praticamente só frequentada por nativos. Bons pratos típicos, música, dança, frutas e verduras. Vale sair do centro e se aventurar. Adoramos! Chegue a partir das 11h, antes disso está tudo ainda fechado.

Vrinda - Em frente à Plaza San Franscisco, um refúgio com ótimas comidas vegetarianas à preços populares. Prove o rocoto relleno e as empanadas de acelga.

Feijão-de-porco é comestível

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um punhado cheio de sementes frescas e tenras

Para quem está começando um jardim, especialmente se não tem muito tempo para cuidar dele, ou se precisa de uma planta resistente que sobreviva à negligência da falta de regas, esse é um legume que não pode faltar. Nativo da América tropical, é um super-alimento que tolera secas e é capaz de crescer em qualquer ambiente.

Esse feijão é muito usado, junto com outros feijões, na adubação verde. Funciona assim: a planta é acostumada a solos pobres, e para se desenvolver, trabalha em conjunto com as bactérias do solo, transformando o nitrogênio do ar em um fertilizante natural. E dessa forma, o solo vai melhorando. Mas pouca gente sabe que ele é comestível. É inclusive recomendada pela Biodiversity International como uma planta promotora do combate à fome. É uma fava PANC!

O feijão-de-porco (Canavalia ensiformis) tem esse nome porque, acredita-se, cresce rasteiro na altura do chão, onde os porcos poderiam consumi-lo. Mas não sei se, de fato, algum porco o coma. É melhor fazer cozido, para alimentar pessoas. Vale lembrar que é parente do feijão espada (Canavalia gladiata), considerado PANC no Brasil, e também o maior feijão do mundo. Já falamos deleaqui.

flor
vagens formando

vagem jovem, em ponto de colheita

vagem madura, para debulhar

No livro A Dictionary of the Economic Products of India, há relato (que me parece desatualizado) de três variedades sob cultivo: var. virosa, var. turgida e var. mollis, onde a última é consumida no sul da Índia como ingrediente de ensopados e curries, com as vagens verdes e os grãos na metade do seu tamanho final. Outros autores, T.K. Lim, no livro Edible Medicinal and Non-Medicinal Plants, mostram seus diversos usos: brotos comestíveis cozidos, flores, vagens tenras, sementes imaturas e maduras, após cozimento apropriado. No Japão, as vagens são processadas em picles, do tipo fukujin-zuke. 

Toda a planta pode ser comestível, depende apenas da forma de preparo. Pra o feijão de porco, as vagens tenras, antes de ficarem fibrosas, são uma iguaria, muito similares com a vagem, mas mais saborosas, crocantes e com seu tamanho característico. Mas elas passam do ponto com alguma facilidade, precisam ser colhidas jovens.

Os feijões imaturos, mas já bem cheios, são substitutos das favas, adocicados, cremosos, uma delícia. O rendimento é grande, porque são enormes e cada pé produz muito. Para cozinhar, é necessário fazer um corta no seu "umbigo", ficando assim muito fácil descascá-los e remover a película grossa que os envolve, igual as favas árabes ou o grão de bico.

Corte o umbigo e faça um corte lateral

Depois de cozida, a fava sai facilmente.

Cozidos, prontos para diversos pratos,
como purê, salada, salteado, em sopas...
O feijão seco é consumido esporadicamente, mas precisa ficar de molho por 72h, com trocas de água sucessivas, para ser depois cozido por 1h. O processo é o mesmo da produção de tremoço, do qual já falamos aqui no blog - um longo molho onde as toxinas são levadas pela água.

E pensar que eu os tive por muitos anos em casa mas nunca tive coragem de prová-los. Até que eu resolvi ler alguns trabalhos sobre seu uso como alimento, para ter certeza. Assim como o feijão-espada (Canavalia gladiata), os teores máximos de toxina desse feijão ocorrem quando o grão está maduro e seco. Ou seja, o grão verde possui teores menores de toxina, e um cozimento de apenas 15 minutos na pressão, com as sementes já cortadas, parece ser suficiente, segundo um artigo da Journal of Agriculture and Food Science, para deixá-lo seguro. Se funciona com as sementes secas, que são tóxicas, com as verdes deve ser mais do que suficiente.

O seu cultivo é espantosamente fácil. O plantio é em local definitivo, e a germinação ocorre em até 15 dias. Seu desenvolvimento é muito rápido, mesmo em solos pobres. É uma planta que se comporta como uma trepadeira discreta, mas pode ser mantida como um pequeno arbusto - as ramas não passam de 2 metros. O pé, baixo e pouco agressivo, produz vagens que arrastam no chão, de mais de 40cm e com até 16 favas graúdas, brancas quando maduras.

Nesse site, você pode ver todo o ciclo de desenvolvimento do grão: (em inglês). Clique aqui.

Aqui em casa, colhi, abri a vagem, que se rompe em duas metades. As sementes devem estar graúdas, brilhantes e macias, e a vagem, ainda verde, bem cheia. O feijão vem envolto numa película que parece um tecido, é bom remover, para ter sementes brilhantes. Depois, cortei o umbigo e fiz um uma incisão, coloquei para cozinhar na pressão por 15 minutos. Remover a película é fácil, e as favas ficam boas, adocicadas, macias e combinam bem com azeite. Usei para acompanhar um prato colombiano que fiz, chamado ceviche de jícama, com batatas de jacatupé que colhi esses tempos. A receita completa fica para a próxima postagem.

Em sentido horário, de baixo para cima. Abaixo,
o grão seco. à esquerda, cozido e descascado e
a direita, cru e imaturo, bem cheio.

Folhas-de-curry, árvore-de-caril, karipatta, curry tree: como usar

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Jovem pé de folha-de-curry.

Folhas-de-curry.
Quem já teve a oportunidade comer no restaurante Gulab Hari (antigo Gopala Hari), um restaurante vegetariano de inspiração indiana, considerado uns do melhores de São Paulo, já deve ter provado aquele óleo maravilhoso que eles servem de acompanhamento para os pratos. Eu sou apaixonado por aquela mistura, e pelo que imagino, deve ser criação deles - achei pouquíssimas receitas de uso da folha-de-curry em óleo como tempero. 

O tempero, pronto. Picante e aromático.
O folha-de-curry (Murraya koenigii), ainda chamado de neem-indiano, neem-doce entre tantos outros nomes, é uma arvoreta parente da laranja, altamente aromática, fortemente presente na cozinha do sul da Índia. Apesar dos frutos doces, aromáticos, a parte mais usada são as folhas, muito perfumadas, e usadas secularmente como tempero e como erva medicinal.

Ao contrário do que as pessoas pensam, essas folhas não tem aroma de curry. O próprio pó-de-curry é um tempero genérico inspirado nas massalas indianas, mas de origem britânica. A folha-de-curry, por sua vez, tem um aroma cítrico bem forte - talvez por seu parentesco com os cítricos, o que dá um toque distinto e insubstituível para qualquer prato.

São usadas como o louro, dando perfume para diversos pratos. O sabor é pronunciado, mas não compete com os outros ingredientes - é difícil errar a dose. A folha, na boca, é travosa, mas esse sabor não se sente quando ela é diluída na receita

A boa notícia - por nosso clima quente, a planta é cultivada aqui no Brasil, ainda que cara - eu paguei R$20,00 na minha muda, e os preços praticados superam os R$80,00. O que torna essa especiaria tão preciosa é o lento desenvolvimento da planta - com dois anos de vida, não passa de 30cm, crescendo lentamente. O segundo, as folhas secas perdem o aroma, sendo uma especiaria que só se usa fresca ou congelada. Quando é vendida seca, acredite, o aroma é muito fraco. Para inspirar, o perfume lembra a folha da pitanga e o da mexerica. 

Para cultivar, ela é propagada por estaquia ou por sementes - que devem ser frescas, recém tiradas do fruto, e não podem ser armazenadas por mais de uma semana. Nada de comprar pela internet, não brotarão! E ah, ela não nasce por aí com facilidade, então você possivelmente não a encontrará nascendo no meio do mato. Se desconfiar, cheire - ela deve ser aromática, sem amargor.

Como não dá para mantê-la fresca por muito tempo, usei a solução tomada pelo Gulab Hari - conservar as folhas em óleo. Esse óleo, aliás, é muito famoso por ser usado na queda de cabelo na Índia. As folhas são usadas como digestivo, enquanto tempero, e como cicatrizante para uso externo, em emplastro.

Parte das especiarias usadas na receita.
O tempero, pronto. As folhas são comestíveis, mas
são durinhas. Eu gosto, mas podem engasgar
desavisados. Na dúvida, use só o óleo.
Para a receita, analisei os ingredientes que identifiquei no restaurante, e cheguei num mix de especiarias cujo resultado não decepciona. Fica bom no arroz, na finalização de leguminosas como lentilha e grão de bico, em legumes assados e como condimento em saladas. Deve ornar também com carnes fortes, como de porco.

Você vai precisar de 2 col de sopa de erva-doce, 2 col de sopa de cominho, 2 col de sopa de feno-grego, 1/2 col de sopa de semente de coentro, 1 col de café de cravo-da-índia, 1 col de café de canela em lascas, 1 col de café de pimenta calabresa picante, 20 folhas de curry, 300 ml de óleo neutro (usei girassol). Opcional, mas mas dá um aroma maravilhoso: 1/2 col de café de macis, 1 pitada de assa-fétida.

Limpe as folhas frescas, seque bem e remova o talo principal. Em um pilão, pile todos os ingredientes secos (menos o macis e a pimenta) até liberar o aroma - basta quebrá-los. Para essa receita, uso uma técnica indiana de construção de sabor - as especiarias são processas e adicionadas em tempos e temperaturas distintas, ajudando na construção de um sabor complexo.

Separe as especiarias secas e piladas em três partes. Coloque uma das partes em uma frigideira, em fogo alto até até dourar - algo por volta de 1 minuto em fogo alto. Cuidadosamente, adicione o óleo. Abaixe o fogo. Espere o óleo esquentar - mas não a ponto de fritar as especiarias. Adicione a segunda metade das especiarias e metade das folhas de curry. Cozinhe em fogo baixíssimo por 5 minutos. Desligue o fogo, espere esfriar 5 minutos e adicione a porção final dos temperos e das folhas, junto com a pimenta, e os opcionais, macis e assa-fétida. Amasse tudo com uma colher para liberar os aromas. Conserve em em vidro fechado, em geladeira, indefinidamente.

Fica igual ao do óleo Gulab? Não fica, mas fica muito, muito parecido. No conjunto, harmoniza melhor com os outros condimentos e a pimenta. A receita é autoral, você pode fazer a sua, usando até mesmo só as folhas-de-curry puras no óleo. 

Um doce com caroço de jaca e abóbora

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Essa é uma postagem para registrar uma receita que deu muito certo. Há uns anos comi em Belém um doce que só recentemente descobri o nome - mingau de jerimum (com tapioca). Era servido quente, muito cremoso, com pedaços de abóbora que desmancham na boca, pérolas de tapioca com textura macia, tudo unido por leite de coco, não muito doce, e muito aromático. Uma delícia para nosso inverno sulista que pede uma sobremesa caseira e reconfortante.

Aproveitei que tinha castanhas de jaca em casa e adaptei do meu jeito, uma receita freestyle, pensando que não tive acesso à receita original. Juntei com uma receita indiana que usa caroços de jaca cozidos no arroz marrom como inspiração, mais os sabores que tinha na memória.

Vai precisar de 200gr de caroços de jaca sem a pele branca, 800 gr de abóbora de pescoço (ou jerimum de leite, deve ficar bom) em cubos, 1 xícara de tapioca (aqueles grãos de fécula de mandioca, não a farinha pronta para tapioca. É para fazer o "pudim de tapioca"), 1 coco fresco descascado (ou 1 garrafa de leite de coco), açúcar a gosto, 10 bagas de pimenta da jamaica, duas de cardamomo, 3 lascas de canela e uma colher de café de água de flor de laranjeira (opcional).

Se usar leite de coco comprado, dilua em água até completar 1200 ml. Se for fazer fresco, fica mais delicado. Para isso, ferva 400ml de água e escalde o coco. Imediatamente bata no liquidificador por 5 minutos até virar um creme. Esprema em um pano até sair todo o leite. Volte a borra ao liquidificador, adicione mais 400 ml de água quente, bata e repita o processo - serão três vezes, para extrair todo o sumo. Reserve o sumo. Não usaremos o bagaço.

Corte as castanhas da jaca em fatias. Ferva por 30 minutos, descarte a água e reserve. Adicione a abóbora, cubra com nova água, adicione 2 colheres de sopa de açúcar e 1 pitadas generosa de sal - sal mesmo, dá um contraste ótimo. Ferva até a abóbora cozinhar, mas continuar firme (cerca de 15-20 min em fogo baixo). Adicione o leite de coco e as especiarias, e cozinhe até a abóbora começar a desmanchar (dica: amasse as sementes de cardamomo e de pimenta para liberar o aroma). Acerte o açúcar. Espere amornar, adicione a tapioca, a água de flor laranjeira e deixe hidratar até elas ficarem transparentes. Está pronto. Quando esfria, fica mais firme, tipo arroz doce - se for requentar, talvez precise de mais líquido. Se quiser algo mais solto, com mais caldo, aumente a quantidade de leite de coco. Na receita original vai leite condensado, totalmente desnecessário.

Bolo de araruta com a raiz inteira

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A araruta (Marantha arundinacea) está mais para uma memória do que para um ingrediente do dia-a-dia, que se encontra por aí. Se procurar no google, vai ler sobre seus benefícios, vai encontrar receitas com sua fécula, até mesmo cartilhas sobre como plantá-la. Mas pouca informação sobre como encontrá-la ou como usa-la na culinária.

A araruta é uma planta alimentícia que corre risco de desaparecimento, porque foi esquecida, é pouco usada, e por não ser reproduzida por sementes, e sim por rizomas, depende de replantio constante para se manter .

É uma planta nativa do Brasil, que forma uma pequena touceira, ornamental, parecida com as folhagens de maranta ou de caeté - aquela cara de planta de beira de rio, de quintal de vó. Muita gente, aliás, as confunde com as da cúrcuma, mas as raízes são muito diferentes. Se não confiar na visão, confie no olfato - as folhas da cúrcuma tem um cheiro que lembra manga verde, enquanto as da araruta são insípidas.

A folhagem, vigorosa, gosta de solos soltos,
de preferência bem drenados.

Aqui, recém brotada depois de hibernar no inverno,
entre linha de milho e tupinambo.
Ela tolera algum sombreamento.
A parte mais usadas são as raízes, da qual se extrai um amido finíssimo, usado antigamente em mingaus, bolos, biscoitos e pães, chamado de fécula de araruta. Ele tem algumas propriedades interessantes - gelatiniza em temperaturas mais baixas, tem sabor neutralíssimo e forma um gel incolor - ao contrário do amido de milho ou fécula de mandioca, que perdem a transparência quando cozidos.

As raízes, contudo, são fibrosas e duras, e quando cozidas possuem uma textura que lembra um misto de pinhão e broto de bambu, com sabor suave. Já encontrei algumas variedades, divididas de forma grosseira pelo seu formato: uma com formato mais alongado, chamado de seta, e uma de formato mais oval, chamada também de redonda, ovo-de-pata ou tamoatarana. Dentro desse segundo grupo, mais arredondado, há algumas mais macias e suaves para cozimento, enquanto a mais longas, do tipo seta, são bem fibrosas e impalatáveis.

A colheita é farta. Plantada junto com cúrcuma,
jacatupé e tupinambo.

Para ter uma ideia do tamanho dela. A casca sai facilmente
nas mãos, é bem pática de preparar.

A araruta tem, segundo estudos que encontrei, entre 10 e 20% de rendimento do seu peso fresco em fécula. Ou seja, é preciso 1kg de raízes para obter entre 100 e 200gr da sua famosa fécula, muito menos do que a mandioca, que chega a render o triplo. Talvez por essa razão, seja um produto caro de ser produzido, sendo comum encontrarmos falsificações, em geral usando fácula de mandioca (polvilho doce). Para não cair na enganação, é simples: teste um pouco com água e aqueça. Se formar um gel liso e incolor, é araruta. Se formar uma massa mais viscosa e opaca, é de mandioca.

O processo de extração do polvilho é simples, mas um pouco trabalhoso: é preciso descascar as raízes (facil de ser feito com as mãos, é apenas uma palha seca que se solta facilmente). Até aí, ponto pra araruta, que não tem a casca dura da mandioca. Depois, elas são lavadas, cortadas em pedaços e batidas com água gelada, onde o amido se desprende da polpa. Depois de coado, sobra um líquido leitoso, que, deixando decantar, se separa da água e vai para o fundo - eis sua fécula ou polvilho. Depois disso é seca e triturada, para virar pó fino.

Para os meus poucos quilos colhidos no quintal, nem nem um quilo da fécula renderiam, eu achei muito trabalho e muito desperdício. Por sorte, recebi uma dica no meu campo do mestrado, na cidade de São José do Barreiro. A Tina Soares, que veio da roça e conhece os campos da Bocaina, e além de conhecer uma série de coisas legais sobre os ingredientes da terra, comentou fazer o bolo com a raiz inteira. Pedi a receita, e ela me deu diretrizes bem vagas: faça como o bolo de mandioca com coco, ralando a raiz inteira e adicionando-a a massa.







Depois de uma tentativa frustrada com o processador, notei que a raiz insiste em nos chamar ao passado. Explico: não adianta querer facilitar e usar o processador elétrico, porque ele rala de forma desigual e as fibras longas e elásticas como fios de seda não se partem - e você terá um bolo de textura bem estranha. Então, rale as ararutas no ralador manual, no sentido oposto ao da fibra, na mesma posição das mãos que se usa para fazer rodelas. A raiz é macia e rala com facilidade, soltando muito líquido e resultando em uma pasta branca e sem cheiro.

A receita é a seguinte:

1/2 kg de araruta descascada e limpa
4 ovos inteiros (remover a pele das gemas)
1 e 3/4 de xícara de chá de açúcar
100 g de coco ralado grosso
150 ml de leite de coco (ou leite vegetal, ou leite animal)
3 colheres de sopa de manteiga derretida
1 pitada de sal
3 colheres de sopa de farinha de trigo
1 colher de sopa rasa de fermento em pó
Manteiga e farinha de trigo para untar

As ararutas devem ser descascadas e raladas. Bata-as no liquidificador com o leite de coco, os ovos, a manteiga e o sal, até formar uma pasta grossa e homogênea. Em um recipiente, adicione o açúcar, a farinha, o coco ralado e misture. Por fim, adicione o fermento. Coloque numa forma untada com óleo e farinha. O forno deve ser preaquecido a 180 graus e o bolo leva aproximadamente 90 minutos para assar.

Para conseguir mudas, vale procurar com os agricultores da sua região e nas hortas urbanas - o período em que estão disponíveis para comercialização é só durante o inverno. Para aprender como cultivar, há uma apostila bem didática aqui, para dowload.
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